João Doria está deixando a Prefeitura de São Paulo, onde nunca esteve pra valer. No início de abril ele renuncia, oficialmente, ao cargo de prefeito para se candidatar a governador na eleição de outubro. Na prática, o tucano nunca assumiu de fato o mandato de prefeito que lhe foi conferido pelo povo de São Paulo. Nesses quinze meses em que ocupou o cargo de chefe do Executivo gastou a maior parte do tempo e de sua energia para garantir sua candidatura em vez de resolver os problemas da cidade.
A maneira como conduziu a administração nesse período deixou evidente que Doria não tinha um projeto de gestão para o município. Antes mesmo de ser empossado como prefeito ele já estava mirando outro projeto político, além dos limites da capital paulista.
O pouco que fez teve como propósito tentar viabilizar seu plano número um: ser candidato a presidente carregando a bandeira do liberalismo e da direita conservadora. Nesse sentido, abraçou a mesma agenda do governo golpista de Michel Temer e passou a atacar programas sociais e direitos conquistados pelos paulistanos, além de adotar um discurso de desmonte do patrimônio público com o objetivo de repassá-lo à iniciativa privada.
Doria iniciou esse processo de desmonte do sistema de proteção social tirando 700 mil crianças do programa Leve Leite, que até o final de 2016 beneficiava mais de 900 mil alunos matriculados na rede municipal de ensino. Sua justificativa para limitar o fornecimento do leite a crianças de zero a 6 anos (antes o limite era 14 anos) foi que não há comprovação da necessidade de leite para além da primeira infância. Porém, em tempos de crise econômica, o programa era um importante reforço na alimentação de famílias de baixa renda.
O tucano também fez mudanças no cálculo da distância para a concessão do Transporte Escolar Gratuito (TEG), conhecido como Vai e Volta, garantido a estudantes com até 12 anos e que residam a mais de 2 quilômetros de distância da escola. As alterações resultaram na redução do atendimento do TEG de 80 mil para 60 mil crianças.
Reduziu o uso do Passe Livre Estudantil (prejudicando os estudantes) e elevou o preço dos bilhetes temporários e de integração, penalizando quem mais usa transporte público para cumprir a promessa eleitoral de congelar a tarifa de ônibus. Os tucanos preparam agora o lançamento da licitação para a concessão dos serviços de transporte público e, pelo que foi demonstrado nas audiências públicas que debateram a questão, planejam eliminar várias linhas de ônibus, obrigando os passageiros a fazer mais integrações, o que aumentará o tempo das viagens.
Na assistência social, serviços foram fechados e houve atraso no repasse de recursos a entidades conveniadas ao longo de 2017, medidas que prejudicaram crianças em situação de vulnerabilidade, mulheres vítimas de agressões, moradores de rua e idosos.
O tucano passou 2017 alegando que herdou a prefeitura com um rombo de R$ 7,5 bilhões. Pura mentira, verbalizada apenas para esconder sua incapacidade em tirar do papel obras e ações importantes para a cidade. Como foi reconhecido pelo seu secretário de Fazenda, Caio Megale, a gestão Fernando Haddad deixou para o sucessor um caixa de R$ 5,4 bilhões, o que era mais do que suficiente para tocar a administração.
Ao mesmo tempo em que escondia a verdade, Doria usou o discurso da falta de dinheiro para fazer outras maldades. Ele manteve congelado quase 50% do orçamento da Secretaria de Cultura, cortou verbas de programas e reduziu investimentos, promovendo verdadeiro desmonte na área cultural da cidade, para desespero e protesto de movimentos sociais e artísticos.
Na Saúde, o (ex)prefeito, há nove dias de renunciar ao mandato, montou uma “inauguração” do Hospital de Parelheiros mesmo com o equipamento ainda em obras. Na verdade, apenas fez a entrega de alguns leitos, numa clara agenda político-eleitoral, pois o hospital só deve funcionar plenamente em maio. O equipamento poderia estar pronto desde o primeiro semestre de 2017. O governo Haddad deixou 80% da obra pronta, mas ao assumir Doria reteve recursos e adiou sua conclusão.
A saúde municipal abriga uma das maiores ações de marketing de Doria com o intuito de ludibriar a população e vender a falsa imagem de gestor competente. No início da administração ele anunciou o Corujão da Saúde, programa para acabar com a fila de exames acumulados em anos anteriores. Com grande alarde, divulgou que havia conseguido zerá-la, mas omitiu que uma nova fila de exames surgiu durante a execução do próprio Corujão.
Além dos hospitais, Doria paralisou outras obras estratégicas, como quatorze novos Centros de Educação Unificados (CEUs) e dezenas de Centros de Educação Infantil, que são as creches. O caso dos CEUs é emblemático da falta de planejamento do governo e do desinteresse com a educação. As novas unidades, iniciadas por Haddad, já consumiram R$ 100 milhões, faltando cerca de R$ 400 milhões para a conclusão. No entanto, além de parar a construção, o (ex)prefeito tucano reservou no Orçamento de 2018 apenas R$ 1,5 milhão para os novos CEUs.
A falta de aptidão de Doria para a administração pública fez com que o governo municipal atrasasse importantes licitações (pavimentação e varrição de ruas, conserto de semáforos, concessão do transporte), entre outros problemas. Seu programa de zeladoria, batizado de Cidade Linda, foi um verdadeiro fracasso. Praças e ruas por onde o programa passou apresentaram problemas semanas depois, como sujeira, acúmulo de lixo, mato alto e falhas na sinalização. E recentemente a justiça proibiu o tucano de usar a marca “SP Cidade Linda” em qualquer meio de divulgação oficial ou pessoal. A decisão judicial tomou por base o fato de que caracterizaria “promoção pessoal” do prefeito e viola a Constituição Federal e a legislação municipal, que tratam, respectivamente, do caráter educativo e informativo da publicidade de ações públicas e da proibição de usar logomarca que não seja o brasão oficial da cidade.
Como se não bastasse tudo isso, Doria tirou da sua bolsa de maldades um projeto cruel, em tramitação na Câmara Municipal, para servidores municipais (ativos e inativos) com o pretexto de reformar a Previdência municipal e eliminar o crônico déficit do sistema. Pela proposta, a alíquota de contribuição da Previdência de todo o funcionalismo sobe de 11% para 14%, sendo que aqueles que ganham acima de R$ 5,6 mil ainda têm uma alíquota suplementar de 5%. Isso representa R$ 705 milhões por ano tirados do bolso dos servidores. Um verdadeiro confisco. Indignada, a categoria entrou em greve (especialmente os educadores) e passou a pressionar o Legislativo contra o projeto. A grande mobilização e a forte pressão dos grevistas colocaram na parede a gestão Doria e os vereadores aliados a ele. O governo recuou e fez ajustes no projeto, mas os servidores resistem e pedem a retirada da proposta.
Nesse processo Doria tentou usar de mais uma esperteza. Disse que o plano de reforma da Previdência era da gestão Haddad. Mentira! Na verdade ele usou um projeto enviado pelo ex-prefeito, que criava o Sampaprev (sistema de previdência complementar, que valeria apenas para novos funcionários), e inseriu no texto as maldades confiscatórias contra o funcionalismo.
Por que o tucano insiste em votar esse projeto, na reta final da sua breve gestão? Puro raciocínio eleitoral. Quer sinalizar para o mercado financeiro de que é capaz de fazer a reforma previdenciária, algo que Temer não conseguiu no plano federal. Em suma, tenta se credenciar como um postulante ao cargo de presidente da República confiável ao mercado.
A realidade é que o período Doria na Prefeitura de São Paulo terminou antes mesmo de vencer o prazo de desincompatibilização (7 de abril) para quem vai disputar a eleição de 2018. A partir da segunda quinzena de março a cidade tem convivido com fatos importantes: a grande greve do funcionalismo, que paralisou quase 100% das escolas; a forte chuva que causou inúmeros transtornos à população e a morte de três pessoas por causa de episódios decorrentes do aguaceiro; e a denúncia de pagamento de propina na PPP (Parceria Público-Privada) da iluminação pública, um contrato de R$ 7 bilhões, que resultou na demissão de uma diretora do departamento que cuida do setor e que foi apoiadora do tucano na eleição passada. Fatos tão emblemáticos foram evitados pelo (ex)prefeito, que “fechou” a agenda e, fugindo ao seu estilo, durante mais de uma semana evitou entrevistas e declarações públicas para não dar qualquer explicação sobre esses episódios. Sequer manifestou uma palavra de conforto às vítimas da chuva.
Em resumo: há muito tempo Doria abandonou a prefeitura e está com a cabeça focada apenas na campanha a governador (ou, quem sabe, a presidente, se Alckmin não decolar no PSDB). Ele está indo embora, mas infelizmente isso não é garantia de que as coisas melhorarão em São Paulo. Quem assumirá a prefeitura é seu vice, Bruno Covas. Pouco se sabe dele, a não ser que foi titular da Secretaria das Prefeituras Regionais por dez meses – sendo demitido por Doria, insatisfeito com seu fraco desempenho na pasta – e que gosta de viajar muito. Na véspera de tomar posse como prefeito, Covas passou dez dias em viagem particular na Europa.
Antonio Donato é vereador e líder da Bancada do PT na Câmara Municipal de São Paulo