Chefe de órgão anticorrupção da Prefeitura pede demissão

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Foto: Divulgação

O Controlador Geral do Município de São Paulo, Gustavo Ungaro, pediu demissão após a sanção pelo Prefeito Bruno Covas (PSDB) de uma medida que tira poderes do órgão. No Projeto de Lei (PL) enviado pelo Executivo com iniciativas para combater o novo Coronavírus, foi aprovada uma emenda submetendo as decisões da CGM a um grupo alheio ao órgão e subordinado ao Prefeito, inviabilizando a capacidade de fiscalização e controle da principal estrutura anticorrupção do Município. O texto da emenda é de autoria do Presidente da Câmara, Eduardo Tuma (PSDB).

Pela nova regra, servidores envolvidos em casos de corrupção ou em episódios contrários ao código de ética da administração municipal poderão recorrer a uma Comissão Intersecretarial de Julgamento, antes de serem exonerados (demitidos). Isso significa que a CGM perde autonomia para punir quem comete irregularidades, passando a depender de uma instância política, formada por potenciais fiscalizados e submetida ao próprio Prefeito – que também não deveria ser poupado de investigações. A nova regra entrou em vigor no sábado, 28, data em que foi publicada no Diário Oficial da Cidade a Lei 17.335/2020.

O argumento do autor da emenda é que a medida vai ampliar o direito de defesa durante o período de emergência em decorrência da pandemia, mas não há qualquer menção de temporalidade determinada ou referência ao período de emergência no texto aprovado e sancionado. A legislação municipal estava alinhada com a Lei Federal 12.846/2013 (sancionada pela Presidenta Dilma Rousseff, do PT), que garante autonomia ao controle interno.

A Bancada de Vereadores do PT denunciou a medida, que é duplamente prejudicial para o município: primeiro por se tratar de assunto alheio ao tema do projeto original e durante uma votação via Plenário Virtual, que a Mesa Diretora autorizou deliberar exclusivamente sobre assuntos relacionados ao Coronavírus; o outro aspecto é por tratar-se de mais uma intervenção para enfraquecer a CGM. Isso porque em 2017, uma das primeiras medidas do governo tucano de Doria / Covas foi rebaixar seu status de secretaria, submetendo a Controladoria-Geral do Município à Secretaria da Justiça.

Aliás, a relação dos tucanos com o órgão não é nada republicana. O então Prefeito e hoje Governador do Estado de São Paulo, João Doria (PSDB), demitiu Laura Mendes do cargo que ocupava há apenas oito meses, duas semanas após ela abrir investigação sobre cobrança de propina por funcionários de subprefeituras – como as da Vila Maria, Lapa, Penha e Mooca – para liberar propagandas proibidas pela Lei Cidade Limpa. Em protesto pela demissão de Mendes, o coordenador de Promoção da Integridade da CGM, Thomaz Anderson Barbosa da Silva, pediu demissão.

No lugar da Controladora assumiu Guilherme Mendes, então Ouvidor do Município (órgão subordinado à CGM), que também foi exonerado após oito meses no cargo, quando Covas assumiu a Prefeitura de São Paulo. Ele foi outro que deixou o cargo em meio a polêmicas, afirmando à imprensa sobre a existência de um “esquema estruturado” de corrupção na administração municipal e de suspeitas de desvio de R$ 50 milhões no Fundo Municipal da Criança e do Adolescente (Fumcad). Mendes chegou a relacionar sua saída com a defesa da suspensão dos contratos da Parceria Público-Privada (PPP) da Iluminação pública, alvo de denúncias gravadas sobre pagamento de propina envolvendo Denise Abreu, ex-diretora da Ilume, o Departamento de Iluminação Pública do município.

Desde então, há quase dois anos, Ungaro esteve à frente da CGM.

Ao Estadão, Ungaro expressou a expectativa de que Covas vetasse a medida. “Surpreendentemente, de carona numa emenda sobre benefícios a agentes de saúde, embutiu-se descabida alteração na Lei da Controladoria Geral do Município, enfraquecendo o controle interno num momento em que a Prefeitura se destaca por ser a que mais aplica a Lei Anticorrupção e implementa um efetivo programa de compliance”, escreveu o agora ex-Controlador.

COVAS E BOLSONARO

No momento em que o País mais precisa de controle e transparência, os tucanos vão na mesma linha do Presidente Jair Bolsonaro (SEM PARTIDO), que tentou restringir o acesso à informação pública por meio de Medida Provisória (MP). No dia 24/3, Bolsonaro publicou a suspensão dos prazos para respostas ao pedidos feitos via Lei de Acesso à Informação (LAI). Sancionada em 2011 pela então Presidenta Dilma Rousseff, a LAI é outro importante mecanismo de transparência, que permite a qualquer cidadão solicitar informações a órgãos públicos municipais, estaduais e federais e seus respectivos poderes Executivos, Legislativos e Judiciário.

O texto da MP suspendia os prazos para demandas feitas a órgãos ou entidades da administração pública cujos servidores estivessem sujeitos ao regime de quarentena, teletrabalho (home office) ou equivalentes e que, necessariamente, dependessem de acesso presencial de agentes públicos encarregados da resposta, bem como daqueles prioritariamente envolvidos com as medidas de enfrentamento da pandemia.

Dois dias depois da publicação da MP, o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, determinou sua suspensão, restabelecendo, assim, os prazos da LAI. O Ministro atendeu ao pedido enviado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) à Corte. A suspensão vale até decisão definitiva pelo plenário do Congresso Nacional, que não tem prazo para ocorrer. Contudo, se em 120 dias a partir da publicação da MP não houver deliberação do Legislativo, a medida perde a validade definitivamente.

SOBRE A CGM

A CGM atua na prevenção e no combate à corrupção na gestão municipal, na defesa do patrimônio público, na promoção da transparência e da participação social e para contribuir com a melhoria da qualidade dos serviços públicos. Está dividida em quatro áreas – Corregedoria-Geral do Município, Ouvidoria Geral do Município, Coordenadoria de Auditoria Interna e Coordenadoria de Promoção da Integridade – e exerce, como órgão central, a supervisão técnica dos órgãos que compõem o Sistema de Controle Interno e o Sistema de Correição e das unidades de ouvidoria do Poder Executivo Municipal.

O órgão recebe denúncias relacionadas à corrupção e irregularidades cometidas por servidores municipais e é responsável pelas informações e documentos relacionados à administração municipal e as entidades da administração indireta, como empresas e autarquias, que podem ser obtidos no Portal da Transparência, além da gestão da Lei de Acesso à Informação.

Criada em maio de 2013 (Lei 15.764/2013), durante a gestão do ex-prefeito Fernando Haddad (PT), transformou-se em um importante aliado da administração e do Ministério Público no enfrentamento a esquemas de pagamento de propinas para servidores municipais corruptos. O fortalecimento da área de inteligência foi fundamental para a análise da evolução patrimonial de todos os 160 mil servidores públicos municipais, por meio de declaração eletrônica de bens. O resultado concreto desta medida foi o cerco à chamada Máfia dos Fiscais do ISS, que desfalcou R$ 500 milhões dos cofres públicos. Os investigadores da CGM acompanharam a rotina dos fiscais e descobriram patrimônios incompatíveis e valores significativos em espécie nas mãos de um grupo de auditores.

Outra atuação destacada foi na fiscalização dos uniformes escolares, quando um relatório do órgão apontou que os tênis distribuídos aos alunos da rede municipal de São Paulo eram de baixa qualidade. O estudo identificou que a amostra fornecida durante a fase de licitação divergia dos tênis efetivamente distribuídos. Após a denúncia, o Promotor de Justiça do Patrimônio, José Carlos Blat, afirmou que a empresa fraudou um laudo do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) para poder aumentar o lucro, distribuindo calçados mais baratos do que os previstos na licitação – o que é ilegal. O contrato, que era de R$ 15 milhões e a Prefeitura já havia pago R$ 6 milhões, foi cancelado e a empresa recebeu multa de R$ 2,5 milhões e ainda teve que ressarcir os prejuízos causados aos cofres públicos.

Foi por meio da CGM que as ações da Prefeitura para a devida implementação da LAI no município se efetivaram, sendo premiada pelo destaque na atenção à legislação, além de ter ampliado o acesso ao Portal da Transparência em mais de 90%. Vale mencionar ainda a criação de uma carreira de auditores, por meio de concurso público, com o objetivo de estruturar uma burocracia forte e capaz de institucionalizar o controle interno para a fiscalização, diminuindo, assim, a interferência de um governo sobre sua atuação – exatamente o que gestão Doria / Covas tem evitado que aconteça em São Paulo.

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