Após sair de cena a reforma da previdência o tema que deve ganhar cada vez mais destaque na agenda positiva do governo Bolsonaro será a reforma tributária. Sobre a questão há certa unanimidade pela simplificação do sistema tributário enquanto o mantra pela redução da carga tributária sempre é evocado.
Atualmente três Propostas de Emendas Constitucionais (PECs) tramitam no Congresso Nacional, a PEC 45/2019 de autoria do deputado Baleia Rossi (MDB), a PEC 110/2019 do senador Alcalumbre (PSL) e outros senadores, e a PEC 128/2019 de autoria do Luis Miranda (DEM). O governo Bolsonaro ora diz que enviará uma proposta de reforma ora dá a entender que apresentará substitutivo em uma das PECs em andamento. O fato é que a PEC 45/2019 está na última comissão de mérito antes de ir ao plenário, por isso, nos debruçaremos sobre o impacto das alterações propostas para o município de São Paulo.
- Simplifica o sistema tributário?
Não há dúvida que haveria simplificação tributária, a proposta extingue PIS, Cofins, IPI (impostos federais), ICMS (imposto estadual) e ISS (imposto municipal) e cria como substituto o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Neste sentido, o mérito da PEC 45/2019 reside na diminuição de milhares de conceitos, bases de cálculo e alíquotas para um imposto único, que terá, no máximo, uma alíquota para cada esfera de governo (federal, estadual e municipal).
- A reforma reduzirá a carga tributária?
Não, inclusive a previsão de implementação gradual, de 10 anos para completar a transição, tem como pressuposto manter patamares similares de arrecadação do Estado, ou seja, o volume total a ser arrecadado deverá permanecer o mesmo.
- Se não haverá redução da carga tributária o empresário recolherá o mesmo valor?
Não, a proposta cria uma alíquota única tanto para circulação de mercadorias como para serviços. Enquanto as alíquotas do ICMS variam de 7% a 32%, com concentração entre 12% e 18%, às alíquotas do ISS variam de 2% a 5%, no entanto, ambas as empresas migrarão para uma alíquota de 25%, ou seja, enquanto algumas empresas possam experimentar uma redução dos impostos outras poderão pagar mais do que o dobro do que vinham recolhendo. O setor de serviços na cidade de São Paulo representava 88,9% da atividade econômica no município, e continua subindo todo ano. Os empresários paulistanos recolheriam um acréscimo de R$ 25,9 bilhões ao ano. Neste sentido, se a reforma tributária for aprovada deve haver uma elevação expressiva no preço dos serviços, como mensalidades de escolas, planos de saúde, dentre outros.
- Se o setor de serviços como um todo terá sua alíquota elevada significa que os industriais recolherão menos impostos?
Não necessariamente, como disse no início não é apenas a unificação de cinco impostos em um, mas também a criação de uma alíquota única, com possibilidade de diferenciação apenas por esfera de governo. Isto posto, setores massivos em mão de obra que experimentavam alíquotas menores tanto do ICMS e IPI irão recolher uma alíquota padrão. Por exemplo, o setor calçadista que possui isenção do IPI e no estado de São Paulo recolhe uma alíquota de 7% de ICMS passaria recolher uma alíquota de 25%, mesmo se adicionarmos os 0,65% do PIS e 3,0% da COFINS, o valor a ser recolhido será mais do que duplicado o que pode inviabilizar o setor do país, que emprega mais de 300 mil trabalhadores.
- Setores estratégicos para o desenvolvimento do país teriam alíquota diferenciada?
Também não, há apenas previsão da criação de um imposto seletivo para desestimular o consumo de certos bens e serviços, como o cigarro. Contudo, setores estratégicos como o estímulo ao desenvolvimento de tecnologia para produção de energias sustentáveis não teriam qualquer incentivo.
- Se setor privado haverá grande diferenciação com aumento dos impostos para inúmeros setores, como fica o setor público, o volume arrecadado por cada ente será o mesmo?
Também não, e é ainda mais complicado. Se a transição imposta aos empresários durará 10 anos, ao setor público demorará 50 anos. Nos 20 primeiros anos o repasse do governo federal aos entes seria o valor arrecadado dos impostos correspondentes de cada ente mais a correção da inflação, enquanto os valores excedentes seriam distribuídos conforme o critério do destino. Pra por fim a guerra fiscal entre estados, a arrecadação dos entes não seria mais segundo a origem da produção, e sim, do destino, onde o bem ou serviço for adquirido. Enquanto nos 20 primeiros anos, apenas o excedente da inflação é repassado segundo destino, nos 30 anos subsequentes toda a arrecadação seria segundo o critério do destino.
A prefeitura de São Paulo perderia tanto no estágio inicial como na transição. A cidade São Paulo estruturou um robusto sistema administrativo para cobrar o ISS, e consegue bons resultados com a arrecadação do imposto. Apenas no ano de 2016 o ISS registrou uma taxa inferior à inflação, nos últimos 20 anos o imposto registra crescimento acima da inflação. Além disso, a participação dos serviços da cidade continua aumentando, enquanto a atividade industrial apresenta queda constante. Assim, a cidade compartilharia com o governo estadual e federal um imposto em franca expansão enquanto receberia a arrecadação dos demais impostos (ICMS, IPI, PIS e COFINS) que enfrentam grande desgaste e taxas pequenas de crescimento ou mesmo negativas.
Deste modo, os cálculos da Secretaria Municipal da Fazenda apontam que a prefeitura de São Paulo perderá R$ 66 bilhões com a reforma tributária nos próximos 20 anos com a reforma tributária.
- A reforma promoverá maior justiça tributária?
Um dos problemas do sistema tributário brasileiro é a alta tributação sobre o consumo das famílias, enquanto a propriedade e renda são subtributados. Neste sentido, o país não deveria desperdiçar a oportunidade de reequilibrar a tributação nestas dimensões para maior justiça fiscal. Enquanto a alta tributação sobre o consumo é distribuída para toda população por meio da transferência dos custos de produção para às mercadorias e serviços, na tributação sobre renda e propriedade a possibilidade de incorporação destes impostos é menor. Seria o momento de corrigir uma distorção criada pelo governo FHC de em que os lucros e dividendos de acionistas são isentos, enquanto no mundo são os que recolhem as maiores alíquotas.
- Os recursos vinculados à manutenção e desenvolvimento do ensino e as ações e serviços de saúde continuarão com o novo imposto?
Não será mais uma vinculação, mas uma subalíquota. Qual a diferença? Na vinculação, todo e qualquer aumento dos impostos eram vinculados à saúde e educação, poderia ser um aumento decorrente do crescimento da atividade econômica ou da majoração das alíquotas de impostos. Com a subalíquota a vinculação fica restrita ao crescimento econômico, enquanto a majoração da alíquota do IBS estaria livre da vinculação, deste modo, o governo poderia aumentar impostos sem a obrigação de aplicar o excedente em saúde e educação.
Outra questão importante para a cidade de São Paulo é de que o ISS não é vinculado ao Fundeb, mas 25% do ISS deve ser aplicado em manutenção e desenvolvimento do ensino. Com a PEC 45/2019 o ISS faria parte do Fundeb ou seja, o município enviaria para o fundo cerca de R$ 3 bilhões anuais, e um percentual pequeno destes recursos retornaria ao município. Em síntese, o município passaria de um resultado positivo de R$ 2 bilhões para um resultado negativo de R$ 1 bilhão com Fundeb, anualmente.
Todos os paulistanos perdem com a reforma tributária
Enfim, todos os empresários paulistanos do setor de serviços recolheriam alíquotas expressivamente maiores com a reforma tributária, com um acréscimo de R$ 25,9 bilhões ao ano, e por outro lado, a prefeitura de São Paulo arrecadaria valores expressivamente menores, com redução, no mínimo, de R$ 66 bilhões nos próximos 20 anos, em consequência haveria redução do atendimento das políticas públicas municipais aos cidadãos paulistanos.