Como olhar para essa crise em uma perspectiva feminista? Essa é a pergunta que me guia para escrever esse texto. Acredito que podemos refletir em duas visões: a) no viés da política propriamente dito, ou seja, a conjuntura atual e o impacto dessa crise nas pautas das mulheres; b) no viés social, ou seja, olhar para as manifestações e tentar entender qual é o imaginário construído do papel das mulheres na política.
Resumindo no cenário politico dessa crise política, um dos principais articuladores é o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB). Ele que além de uma trajetória política marcada por processos administrativos e investigações de corrupção, motivou as manifestações feministas em 2015 ao falar “aborto só vai a votação se passar pelo meu cadáver”. As manifestações “#ForaCunha” que levou e vem levando milhares de mulheres as rua Brasil afora desde maio de 2015, pede a saída dele da presidência. A pauta da legalização ou descriminalização do aborto desde então, está estagnada dentro da câmara, como ele prometeu. Estagnada e com riscos de retrocessos proposto por ele com o PL 5069/13, que levou as mulheres às ruas novamente como mais um motivo para pedirem sua saída. Essa é a proposta que criará obstáculos ao modificar a lei de atendimento às vítimas de violência sexual, negando a elas acesso a informação, a métodos contraceptivos e abortos garantidos por lei. Nem vou me aprofundar nas “pautas bombas” para não me alongar. Mas a pauta Impeachment? Essa e seus pares, seguem com afinco.
A reforma ministerial realizada pelo Governo Federal na Medida Provisória (MP 696/2015), no ano passado devido a essa crise política é outro reflexo. Dilma Rousseff (PT) levou mais de um mês para conseguir fechar a negociação da reforma ministerial e quando fechou, fechou com retrocessos e com um PMDB com mais poderes no cenário Nacional. A reforma que mais afeta as mulheres e minorias é a união das Secretarias de Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos em um único Ministério. Este novo ministério ganhou o nome de Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos. Não bastasse reduzir os recursos e as estruturas voltadas pra essas secretarias com essa reforma, nesse ano um trecho do texto-base da Medida Provisória (MP 696/2015), foi retirado. O trecho excluído pela Câmara dos Deputados se referia à incorporação da perspectiva de gênero na promoção de políticas de igualdade como uma de suas funções. Os deputados da bancada evangélica alegaram que abordar perspectiva de gênero nesse ministério “feria a família tradicional”. Mas a pergunta que fica é como debater violência contra mulher sem debater perspectivas de gênero? Perdemos mais uma vez.
Se o cenário político é de estagnação e retrocessos, nas pautas feministas ou pautas das mulheres o cenário na sociedade é de conflito. De um lado o ataque a Presidenta Dilma por ela ser mulher e de outro a cobrança insistente às mulheres para que elas tomem partido. Uma rápida olhada nas manifestações contra o atual governo promovido e puxado pela nova Direita, podemos ver as inúmeras ofensas à Dilma, de adesivos chamando-a de “vaca”, a outros fazendo alusão a estupro; ela, a mulher é atacada e não a política Dilma, não são seus erros políticos que são apontados é a ideia de “incapacidade dela enquanto mulher” que é levantada. E é fácil admitir, nunca nenhum presidente do Brasil teve sua vida sexual e seu gênero tão atacados quanto a primeira presidenta do país. O imaginário que se forma, ou melhor, que reforça, é um imaginário já existente e traduzido na frase muito proferida, “lugar de mulher não é na política”. Não querem apenas Dilma fora, querem todas nós mulheres fora da politica quando atacam seu gênero.
Do outro lado vemos uma esquerda de homens desesperados (que precisam ainda mais aprender a ouvir mulheres), cobrar as mesmas para que se posicionem. Após o áudio de Lula onde pergunta “cadê as mulheres do grelo duro?”, podemos ouvir também nas manifestações outros homens nos carros de som, redes sociais e afins convocando mulheres a se posicionarem. Posso afirmar para vocês, estamos nos posicionando desde que Cunha assumiu a presidência da Câmara dos Deputados. E digo a todos estes homens, que se tivessem nos ouvido desde a primeira chamada para o #ForaCunha, muito provavelmente o cenário poderia ser outro. Que imaginário podemos descobrir aqui? Talvez da mulher que só é enxergada dentro da política quando a presença dela fica evidente que é necessária para a manutenção de um governo, para a manutenção de uma democracia. E aqui temos a presença da mulher dentro da política enquanto presidenta e das mulheres na rua, e, temos uma esquerda de homens sendo agressivos/abusivos na convocação de mulheres que precisam urgentemente olhar pra si.
Mas tratando especificamente no grelo duro, não foquem nele. Tanto a esquerda quando a direitas caíram nas graças da mídia ao olhar mais esse trecho de um áudio, do que o fato desse ter ido parar na mídia de forma ilegal. A mídia está fazendo o papel dela nessa crise, orientando a população a enxergar apenas o que ela quer. O ex-presidente falou muito mais do que sobre grelo, falou sobre Parlamentares Ameaçados em um Estado que dizem ser democrático. Precisamos lembrar insistentemente também as ilegalidades na operação Lava Jato e a nítida parcialidade ao focar apenas em um partido (PT) deixando os outros partidos (PMDB, PP, PSDB, PSB, DEM, PTB, PCDC e SD), citados na delação premiada de Delcidio, sem foco. Há uma crise política geradora de uma crise econômica que é articulada por pessoas, inclusive delatadas na mesma operação, que querem a todo custo derrubar um governo. Portanto o menor problema é o “grelo duro” que fica duro mesmo, mas sim ver é manipulação e ilegalidades de uma investigação que a mídia vende como legal.
Por fim termino dizendo que ter um olhar feminista da crise política, é muito mais do que mostrar onde estão as mulheres de grelo duro, é lembrar que uma democracia não se faz deixando parte da população de fora, mas sim ouvindo todas. Nos ofendam menos, nos ouçam mais e ao invés de perguntar onde estamos, nos procurem nas ruas, estamos lá desde 1881.
Fonte: Jussara Cardoso – Blogueiras Feministas